Imagine ir ao cinema, ao banco ou ao médico e ter que contar toda a sua vida porque seu nome não condiz com a sua imagem? Muitas pessoas transexuais ainda possuem documentos desatualizados, com seus nomes e gêneros designados ainda quando nasceram. Fora isso, o preconceito, a perda de direitos básicos como educação, saúde e emprego, são só alguns dos problemas que estão na ponta do iceberg do tratamento da sociedade para com as pessoas transgêneras.
Como janeiro é o Mês da Visibilidade Trans, preparamos uma série de textos para falar sobre os direitos dessa parte da população que ainda luta muito para ter acesso a eles.
Para você entender melhor
Para entender o que é ser transexual e suas lutas, precisamos entender alguns conceitos, como o de gênero “biológico”, onde a partir da sua genitália é definido como masculino se possui pênis e testículos ou feminino se possuir vagina, útero e ovários.
Ser trans é não se identificar com o seu gênero de nascimento, segundo a sua genitália, ou seja, uma mulher trans é uma pessoa que no nascimento foi determinado ser do gênero masculino por possuir pênis e testículos.
Para ser trans é necessário tomar hormônio, fazer cirurgia de confirmação sexual e mudar o estilo das vestimentas? Não. Afinal o que determina se uma pessoa é trans é a sua autodeclaração. Existem pessoas que são trans mas não se identificam como homem e nem como mulher. Elas são as chamadas não-binárias.
Nome social e retificação civil
Há alguns anos, para uma pessoa trans alterar sua documentação era necessário entrar com processo judicial (longo e constrangedor) e apresentar exames psiquiátricos, psicológicos, ginecológicos (para homens trans) ou urológicos (para mulheres trans) e em muitos casos, uma cirurgia de confirmação sexual, ainda conhecida como redesignação sexual, um termo datado em seu significado, uma vez que sugere que a pessoa irá alterar seu gênero. Muitas pessoas ainda cometem o erro de chamá-la de mudança de sexo.
Essas exigências são abusivas, uma vez que não é necessário comprovar a identidade de gênero para nenhuma autoridade pública. Nem todas as pessoas trans possuem disforia com seu corpo e o gênero de uma pessoa não depende de suas características físicas.
A partir de 1 de março de 2018 o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) alterou o artigo 58 da lei de registro público (Lei n° 6015 de 31 de dezembro de 1973), passando a permitir que pessoas trans retificassem seu nome em cartórios de registro de pessoas através de via administrativa.
Em 29 de janeiro de 2018, o CNJ publicou o Provimento N° 73/2018, que regulamentou o processo administrativo de registro civil. A partir dessa data todos os cartórios de registro de pessoas do Brasil foram obrigados a realizar a alteração de nome e gênero nas certidões de nascimento, de acordo com o desejo de cada um. Logo, não há mais necessidade de um processo judicial longo e constrangedor.
Lembrando que também não há necessidade de apresentar laudo médico ou exame, muito menos que a pessoa faça a cirurgia de confirmação sexual ou outra alteração corporal.
Quais dados eu posso alterar?
- Prenome (ex: de Vitor para Vitória)
- Agnome indicativos de gênero (ex: Filho, Júnior)
- Marcador de gênero na certidão de nascimento
- Marcador de gênero na certidão de casamento (com autorização do cônjuge)
É importante lembrar que para realizar a retificação do nome, a pessoa deve ter no mínimo 18 anos. Caso ela seja menor de idade, precisará da autorização de um juiz.
Saúde
Saúde é um direito básico de qualquer um, garantido pela Constituição, isso não é diferente para as pessoas trans.
Em agosto de 2008, o processo transexualizador foi instituído no SUS pelas portarias n° 1707 e n°457. Em 19 de novembro de 2013, através da portaria n° 2803 esse processo foi ampliado.
Ele garante acolhimento e acesso com respeito ao atendimento integral de pessoas trans ao serviço oferecido pelo SUS, hormonoterapia, cirurgia de adequação do corpo biológico a identidade de gênero e social, respeitando o nome social da pessoa trans.
Educação
O ambiente escolar é hostil para pessoas LGBTQI+, por isso é quase impossível para um jovem transgênero sequer terminar o ensino médio. É estimado que o país concentre 82% de evasão escolar de transexuais e travestis, o que torna essa população ainda mais vulnerável, favorecendo os altos índices de violência e mantendo o Brasil no topo do ranking dos países que mais assassina pessoas trans no mundo.
Faltam políticas públicas eficazes para combater a evasão dos transgêneros da educação formal do país. As mulheres trans, principalmente, são obrigadas a deixar muito cedo os estudos, e sem nenhum tipo de acolhimento, acabam jamais retornando.
Direito à vida
Foi apenas em junho de 2019 que o STF se manifestou sobre a falta de leis que protegem a população LGBTQI+, criminalizando a homotransfobia. De acordo com o órgão, enquanto não houver uma legislação própria, os atos de homofobia e transfobia deverão ser tipificados como crimes de racismo, o que torna, por si só, a aplicabilidade dessa decisão um grande desafio.
Isso porque a lei que define crimes de racismo já não são bem aplicadas, visto que seu texto e sua compreensão não são dos mais fáceis. Nossa vivência diária nos mostra que o racismo estrutural dentro da justiça dificulta que esses crimes sejam punidos como a lei determina, por isso, o mesmo pode acontecer (e acontece) com a questão da transfobia institucional.
A lei Maria da Penha deve ser uma ferramenta usada utilizada no combate à transfobia, pois o índice de transfeminicidio nos primeiros meses de 2020 aumentou 90% em relação ao mesmo período de 2019. Somente no ano de 2020 foram assassinadas brutalmente 151 mulheres trans, resultando em um aumento total de 22% em relação ao ano de 2019 inteiro. Ainda no início de janeiro deste ano, uma garota trans de 13 anos foi assassinada e impedida de viver conforme sua identidade.
Esse é apenas o primeiro de uma série de textos sobre as direitos da comunidade trans no Brasil. Como deu para ver, não foi possível falar nem do começo em um só! É dever do Estado proteger todos os cidadãos indiscriminadamente. Infelizmente, sabemos que isso não acontece com algumas parcelas da população.
Dia da Visibilidade Trans
No dia 29 de janeiro de 2004, mulheres e homens trans foram ao Distrito Federal começar a campanha “Travesti e Respeito”, buscando promover cidadania, respeito e direitos iguais, mostrando a relevância de sua existência e ações no Congresso Nacional.
Este foi o primeiro ato nacional organizado pela população trans, o que trouxe uma grande repercussão, celebrada e lembrada todos os anos desde então, reafirmando a importância das vidas trans.