Opinião: Visibilidade para quem? O direito (negado) à cidadania para pessoas transgêneras

Mesmo com poucos avanços na esfera legal, pessoas transgêneras vieram alcançando algumas vitórias. O que acontece é que essas iniciativas ainda têm pouco impacto em âmbito nacional. Uma delas é a celebração da Visibilidade Trans, no dia 29 de janeiro. Será que essa parte da população é vista e ouvida, de fato?

No mais, um decreto que autoriza o uso do nome social, a oferta pelo SUS de procedimentos que adequam o corpo à identidade de gênero e a recente criminalização da LGBTfobia, que, como veremos no decorrer do texto, ainda é insuficiente para erradicar o problema.

São avanços consideráveis? Sim. Mas ainda há muito o que ser feito.

Essas decisões abrangem todo o país, mas ainda são tidas como falhas, por não terem força na legislação e pouco incentivo ou conscientização. Nas esferas municipal e estadual, existem outras iniciativas, mas ainda assim não são suficientes para atender as demandas da comunidade LGBT.

Hoje, no Congresso, as bandeiras do movimento trans ainda passam por resistência. Só há pouco mais de um ano houve a criminalização da LGBTfobia, que são atos de discriminação por conta da orientação ou identidade de gênero. Com essa medida, espera-se reduzir o alto número de homicídios de travestis e transgêneros no País. No Brasil, que lidera esse ranking, uma pessoa trans é morta a cada três dias.

Criminalização da LGBTfobia no Brasil

Em 13 de junho de 2019, o Supremo aprovava por 8 votos a 3 a criminalização da homofobia e transfobia no Brasil. Com isso, atos de cunho preconceituoso contra homossexuais e transgêneros passaram a ser considerados crimes com pena de até três anos, além de aplicação de multa.

Essa foi uma das respostas ao avanço da onda conservadora que vem ganhando espaço no país nos últimos anos.

Assim como em casos de racismo, o crime é inafiançável e imprescritível. Mas ainda existem diversas lacunas entre a decisão do STF e a real execução da criminalização no sistema de Justiça.

O que ainda acontece é o despreparo das delegacias e órgãos de justiça para lidar com isso. Os governos deveriam combater a LGBTfobia de forma preventiva, com campanhas de conscientização e canais de denúncia mais acessíveis. Ainda estamos muito distantes do tratamento ideal da questão, afinal, criminalizar uma conduta não resolve o problema em seu âmago. 

O que mudou?

Mesmo não atingindo o ponto central do problema, a lei oferece mecanismos que permitem um combate mais justo à violência contra LGBTs. O ideal, de fato, seria a implementação de políticas públicas de segurança e educação, para que haja uma real modificação social. A realidade é que LGBTs não possuem segurança no próprio país onde vivem.

Na prática, o texto não teve alterações. Apenas foi aumentada a Lei do Racismo para que a discriminação por orientação sexual fosse incluída, como dito acima.

Sem dúvida alguma, um ponto importante de mudança que foi adquirido é a concretização de conduta delituosa contra pessoas do grupo LGBT no ordenamento jurídico penal, além de ter facilitado o trabalho de delegacias especializadas. 

A lei parece ser tão pouco efetiva por conta da falta de capacitação dessas delegacias, fazendo com que as demandas não sejam inseridas na Lei de Racismo. É preciso, então, que haja um trabalho de capacitação dos policiais que atuam também nas delegacias de flagrante, as não-especializadas, desenvolvido por secretarias de Direitos Humanos, advogados e sociedade civil organizada.

Seria utópico e até ingênuo supor que tal capacitação viria rápido como a sociedade necessita, principalmente quando pessoas trans relatam serem ofendidas e até mesmo agredidas pela própria polícia, que deveria protegê-las.

Reconhecimento penal de crimes de homotransfobia

Ainda há um entendimento errôneo de que os crimes de LGBTfobia são considerados crimes de racismo (ofensa à coletividade) e não como injúria racial (ofensa ao indivíduo). 

É importante frisar que essa interpretação não está correta, e é feita por quem quer dar ao assunto uma importância menor que ele merece. No geral, casos de racismo são dados pela forma de injúria racial, ou seja, nos casos de crimes contra orientação sexual e gênero, eles também serão abarcados nesse sentido. 

Para esse tipo de entendimento que tira o fator individual da vítima, orientamos que ela procure um advogado para lutar na justiça. Com muita resistência da parte de policiais, Ministério Público e juízes em acatar uma decisão do Supremo (já que não cabe a ele criar leis), o papel dos advogados é imprescindível para a execução das leis que protegem os LGBT.

Não hesite em denunciar

Assim como em crimes de violência contra a mulher e racismo, as pessoas LGBT sentem medo de sofrer ainda mais discriminação e truculência nas delegacias. Muitas deixam de denunciar por acharem que não dará em nada.

Assim, fica evidente que o problema é institucional e estrutural. Os crimes de racismo, por exemplo, ainda enfrentam grande resistência por parte do Judiciário, que desconsidera conduta ofensiva a pessoas negras como racismo ou injúria racial. Como a homotransfobia foi incluída nessa categoria de crimes, a situação permanece a mesma.

Os assassinatos motivados por homotransfobia são apenas uma parte do problema. A maior parte das denúncias dizem respeito á violência psicológica, como ameaças, humilhação e bullying, que ainda é recorrente, principalmente em escolas.

73% dos estudantes LGBTs já relataram sofrer agressões verbais e 36% agressões físicas, levando, muitas vezes, à evasão escolar. O despreparo dos professores agrava a situação.

Crimes de discriminação por conta de gênero e sexualidade na saúde e no ambientes de trabalho também estão entre os mais recorrentes. Por isso, denunciar é fundamental para que o problema ganhe visibilidade e seja combatido. 

Muitos estados sequer possuem sistemas atualizados para incluir a LGBTfobia, tampouco um dossiê sobre a violência, com a contabilização dos crimes do tipo, o que torna tudo ainda mais difícil. 

Violência sexual contra pessoas trans

Deixando de lado as outras letras e falando apenas das pessoas trans, a violência sexual é a campeã em denúncias e é diretamente ligada ao alto índice de mortalidade do grupo.

Por sofrerem exclusão da sociedade, muitas pessoas trans, em sua grande maioria mulheres, precisam recorrer à prostituição para sobreviver, tornado-se vulneráveis à violência sexual, o que reduz sua expectativa de vida para os 35 anos.

Ainda há muito a ser conquistado

Já temos muitas vitórias nas mãos, porém ainda longe do ideal para que a cidadania dessas pessoas seja inteiramente garantida. Algumas delas são o reconhecimento da união homoafetiva como família, não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero nas forças armadas, mudanã de nome e gênero no registro civil independente de procedimentos de ressignificação, direito a doação de sangue e direito a educação inclusiva e não discriminatória.

O ideal seria a aprovação de leis que deixem explícitos tais direitos, para que não seja preciso recorrer à composição concreta do Supremo. Por parte do Congresso, a resistência ainda é enorme.

A mudança deve vir de cima, com representatividade na política, no Executivo, e através de capacitação para inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho. Uma educação não discriminatória seria um importante passo para mudar o coletivo e a concepção de que é normal agredir e discriminar pessoas transgêneras.

Educação é modificação social, seja nas escolas ou nas delegacias. O descaso para com as vidas LGBTs deve ser erradicado. Elas importam e devem ser protegidas para que sintam segurança no país onde vivem.

Rafael Godinho

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